História da Bruxaria | Fernanda Filippini

CONHEÇA

A Bruxaria

A bruxaria é uma soma de práticas mágicas realizadas pelas bruxas.

Muita gente ainda acredita que as bruxas são maléficas, desprovidas de sentimentos e que servem ao Diabo.

Isto é uma grande bobagem. Para mim a Bruxaria é uma filosofia de vida, e não propriamente uma religião.

Então como tudo começou?

Referência

De todo material que já li sobre a origem da bruxaria, o texto de Laurie Cabot foi o que considerei mais completo e elucidativo.

Como no Brasil o livro está fora de catálogo, solicitei autorização de sua filha, Penny Cabot, para usar alguns capítulos, e ela me informou que era perfeitamente legal usar os textos e colocar os créditos.

Desta forma, esclareço que os textos abaixo foram retirados do livro “O Poder da Bruxa“, de autoria de Laurie Cabot.

Nos primórdios da raça humana, as pessoas eram profundamente ligadas à terra e aos fenômenos naturais.

Os pagãos acreditavam que existia uma intenção e um significado em todo evento natural. Acreditavam também que os grandes mistérios da vida eram os mistérios da transformação (como as coisas nascem, crescem, se transformam em outra coisa e morrem).

E talvez em nenhuma outra parte eles viram essas transformações se processarem de um modo mais pessoal e mais íntimo do que a transformação da mulher.

Gerar uma nova vida humana, dar à luz, produzir leite e sangrar com as fases da Lua inspirava temor e reverência. Sem ela não haveria nova vida. A mulher refletia em seu corpo as mudanças sazonais da Terra e às fases mensais da Lua. E isso não era superstição, era fato biológico.

Estas mudanças cíclicas que a mulher refletia, paralelas às mudanças sazonais da Terra e

Estatueta de Vênus | Fernanda FilippiniAs mais antigas obras de arte que representam figuras humanas são de mães.

Datando de 35 000 a 10 000 anos antes da era cristã, e descobertas por toda a Europa e na África, essas estatuetas de “Vênus”, como foram chamadas pelos arqueólogos, mostram a plenitude de formas da maternidade e a maturidade da natureza feminina.

De acordo com uma grande quantidade de provas arqueológicas, históricas e antropológicas (estátuas de Deusa, costumes funerários, pinturas rupestres de mulheres dando à luz, fica claro que os nossos ancestrais entenderam a íntima conexão entre o poder feminino e o poder da Terra. A mulher era a fonte da vida.

Nossos ancestrais consideraram razoável supor que o poder divino que presidia à criação era feminino. Monica Sjö e Barbara Mor disseram isso em termos muito sucintos: “Deus foi feminino durante, pelo menos, os primeiros 200.000 anos de vida humana na Terra.” Para as Bruxas, Deus ainda é feminino.

Os seguidores da Velha Religião acreditam que o universo foi criado em êxtase a partir do corpo e da mente da Grande Mãe de todas as coisas vivas.

A Deusa original era referida como a Grande Deusa Lua, uma deidade com 3 faces. Ela é a grande trindade feminina a Donzela, a Mãe e a Anciã, que correspondem às três fases da Lua.

Cada mulher podia identificar-se com a Grande Deusa ao identificar sua própria transformação corporal com o crescer e o minguar mensais da Lua.

Os sortilégios e rituais de uma Bruxa são sempre realizados em conjunção com as fases da Lua, e as Bruxas alinham seu trabalho mágico com seus próprios ciclos menstruais.

A Donzela

O crescente lunar, virginal e delicado, vai ficando mais forte e mais brilhante noite após noite, parecendo cada vez mais alto no céu até atingir o plenilúnio. Vimos homens e mulheres de antanho representando essa fase da Lua como uma donzela que vai crescendo e ficando mais forte a cada dia que passa.

Ela é apura e independente caçadora e atleta que, na tradição das deusas mediterrâneas, foi chamada Ártemis ou Diana. Quando amadurece e se transforma numa poderosa guerreira, ou Amazona, aprende a defender-se e aos filhos que algum dia nascerão dela.

A Mãe

A lua cheia, quando o céu noturno está inundado de luz, é representada como a Deusa-Mãe, seu ventre inchado de nova vida. Bruxas e magos, em toda parte, sempre consideraram ser esse um tempo de grande poder.

É um tempo que nos atrai para lugares sagrados, como as fontes e grutas escondidas que as mulheres neolíticas poderiam ter usado como seus lugares originais para dar à luz.

A Anciã

Em algum ponto da vida de toda mulher o ciclo menstrual cessa. Ela deixa de sangrar com a lua. Passa a reter seu sangue para sempre, ou assim deve ter parecido aos nossos ancestrais. Conserva seu poder e, portanto, é agora poderosa.

É a sábia anciã. Como a lua em quarto minguante, seu corpo encolhe, sua energia declina e, finalmente, ela desaparece na noite escura da morte, tal como a lua desaparece por três noites de trevas.

Com a morte, o corpo é devolvido à Terra e, em dado momento, ela renascerá, viçosa e virginal como a lua nova em sua primeira noite visível, suspensa no céu ocidental no pôr-do-sol.

A mulher era a figura central na vida e na sociedade humanas e era a promotora das artes e recursos necessários ao progresso:

  • o trabalho feminino fornecia 60% dos suprimentos alimentares (coleta e preparação).
  • desenvolveram técnicas de processamento, preservação e armazenagem de víveres.
  • aprendiam a tecer e as artes de curtir e tingir peles, a fim de prover o vestuário.
  • eram as guardiãs do fogo (olaria, cerâmica e metalurgia)
  • coletora de ervas, grãos, nozes, bagos e raízes (ervanárias e curandeiras).

Todos sabemos que, em pequenos grupos de mulheres vivendo ou trabalhando juntas, os ciclos menstruais harmonizam-se e alinham-se entre si. Os estudiosos acreditam ser essa a norma na vida tribal.

Hoje em dia as Bruxas praticam as mesas artes de outrora: cozinhamos, costuramos, preparamos poções, manipulamos ervas, fazemos fogueiras, coletamos pedras curativas, instalamos altares. Lemos os presságios nos movimentos da Terra e do Céu, realizamos rituais para os doentes, recitamos preces e cânticos.

De Creta, o lugar onde o culto da Deusa floresceu pela última vez em toda a sua pureza, provieram as famosas Deusas gregas – todas elas diferentes aspectos de uma só Deusa – cujos nomes atingem algo muito profundo e sagrado em nosso inconsciente, nomes que invocamos em muitos dos nossos rituais:

  • Afrodite
  • Atena
  • Deméter
  • Perséfone
  • Ártemis
  • Hécate

Na época em que as sociedades célticas começaram a ser documentadas na história, Estados patriarcais hostis haviam surgido em torno delas, sendo o Império Romano o mais poderoso deles.

A Velha Religião sobreviveu entre as tribos célticas e, em sua sobrevivência e transformação, descobrimos as origens das tradições da Feitiçaria europeia.

Nas sociedades célticas, as monarquias hereditárias eram matrilineares.

Chefes do sexo masculino eram eleitos temporariamente. As mulheres serviam como advogadas, juízas, filósofas, médicas e poetas. Rapazes e moças estudavam juntos em academias; os professores eram usualmente mulheres.

As mulheres detinham o equilíbrio de poder nos conselhos tribais e não era raro comandarem exércitos no campo de batalha.

De fato, o treinamento apropriado de guerreiros do sexo masculino incluía a instrução por guerreiras famosas da época, cujas reputações heroicas tinham sido adquiridas por seu valor e bravura em combate.

O grande herói irlandês Cu Chulainn, por exemplo, estudou durante um ano e um dia com Skatha, a deusa guerreira. Mulheres ensinavam as artes mágicas e sagradas, assim como as artes militares.

As Leis Brehon, transmitidas na sociedade céltica irlandesa desde tempos pré-históricos, fornecem elementos detalhados sobre o status das mulheres:

  • As mulheres celtas podiam herdar propriedades e os títulos que lhes correspondiam;
  • uma mulher podia celebrar contratos legais independente do marido;
  • podiam comparecer em juízo e instaurar processos contra homens;
  • urna mulher podia escolher seu marido (a maioria dos povos circunvizinhos permitia unicamente que o homem escolhesse uma esposa);
  • as mulheres não se tornavam legalmente parte integrante da família do marido;
  • maridos e mulheres gozavam de status igual no casamento;
  • os casamentos tinham duração de um ano, quando podiam ser renovados se houvesse mútuo consentimento;
  • o divórcio requeria também a concordância de ambas as partes; as filhas herdavam em igualdade de condições com os filhões varões.

O sexo não era encarado em rígidos termos moralistas: uma mulher não era ”culpada” de adultério se tivesse relações sexuais extraconjugais; a homossexualidade masculina era comum e aceita, especialmente entre guerreiros.

A igreja cristã combateu essas leis e muitos outros costumes célticos referentes às mulheres, sobretudo o direito ao divórcio, a herdar propriedade, portar armas e a exercer a profissão médica.

Os principais sacerdotes e sacerdotisas dos celtas eram os druidas.
A palavra druida é derivada do grego dryad, um “espírito da natureza” ou “ninfa do carvalho”. O termo era também aplicado às sacerdotisas de Ártemis e à Deusa da Lua das Amazonas.

Quando adentramos na mitologia e literatura sacra, escritas entre 2500 e 1500 da era cristã, notamos uma mudança.

As fortes Deusas que dominaram o pensamento e o sentimento durante centenas de milhares de anos são lentamente substituídas pelos poderosos Deuses do Céu.

O Filho/Caçador/Amante, que como filho e consorte da Grande Mãe ocupou sempre uma posição subordinada, torna-se agora a divindade primacial. Surgem novos nomes, Deuses Celestes reinando com o poder do sol, desafiando as mais antigas Deusas da Terra e da Lua:

Novos Deuses Celestes e Solares – Marduk, Indra, Apolo, Zeus, Thor, Júpiter, Jové, Jeová.

Antigas Deusas Terrestres e Lunares – Ceres, Cibele, Atena, Diana, Ártemis, Tianat, Anat, Ísis, Ishtar, Astartéia, Minerva, Dana.

Em muitas delas a Deusa — ou o poder feminino — é identificada com uma serpente ou um dragão, representando ambos os poderes primevos da Terra e das regiões alagadiças sujeitas à influência lunar.

Estas serpentes e dragões são sempre representados como malignos nas religiões patriarcais.

Os Deuses solares tornaram-se os heróis e as Deusas da Terra e da Lua passaram a ser as vilãs, e muitas das velhas histórias foram reescritas e revistas para refletir essa mudança de consciência.

A mitologia sacra começou refletindo um dualismo que era provavelmente desconhecido em tempos neolíticos ou que estava relegado a um papel secundário no esquema das coisas: Sol e Céu opostos à Terra e à Lua, a Luz oposta às Trevas, a Vida oposta à Morte, o Masculino oposto ao Feminino.

Antes, todas as coisas eram parte da Grande Mãe, incluindo o poder de destruir, o mistério da morte e a escuridão da noite.

As polaridades não eram vistas em termos morais. Não era uma questão do Bem contra o Mal. Cada coisa tinha aspectos positivos e negativos, todos eles ingredientes necessários na Grande Roda da Vida Criada.

As revisões na religião também proclamaram que a criação original tinha sido obra de um Deus Pai solitário e não de uma mãe divina.

Ao passo que as antigas histórias da criação falavam de nascimentos virginais, sem a fecundação masculina e nascimentos causados por seres andróginos ou bissexuais, os novos mitos falaram primordialmente da criação vindo unicamente de uma fonte masculina.

Vemos Deusas brotando das cabeças e coxas de Deuses masculinos!

Entre as muitas revisões contava-se a da antiga história assíria de Adão e Eva, reescrita de modo que Eva nasce de uma costela de Adão e não o inverso, como ocorre na versão mais antiga. Numa velha lenda mesopotâmica, Eva gera um macho, Adão, e faz dele seu cônjuge, de acordo com o usual mito Deusa/Filho.

Na versão do Gênese, Deus faz Adão de barro com suas “mãos” e depois Eva de uma costela de Adão.

Parece que os escritores bíblicos quiseram distanciar Deus o mais possível do ato de nascimento, fazendo questão de enfatizar fortemente que a criação não é uma atividade feminina e nada tem a ver com úteros, sangue e dar à luz.

À medida que as mitologias se distanciavam cada vez mais da concepção religiosa original da Grande Deusa, o dualismo que passou a dominar uma tão grande parte do pensamento ocidental fortaleceu-se cada vez mais.

A vida foi vista primacialmente como uma luta entre as forças do Bem e as forças do Mal, em vez de uma dança dinâmica de todas as coisas atuando juntas para o Bem.

A vida na Terra tornou-se menos importante do que a vida por vir.

Tudo o que está associado a essa vida presente — terra, o corpo, sexo, mulher — tornou-se suspeito, quando não abertamente maléfico.

O dito popular, “A pureza é vizinha da devoção”, resumia isso muito bem: a mundanidade será rejeitada como conceito religioso; é suja e impura. A mulher será rejeitada como líder espiritual que reflete a imagem do Feminino divino. Ela é suja e impura.

Uma coisa curiosa aconteceu aos deuses masculinos quando consolidaram seu domínio sobre a imaginação humana. Eles perderam o poder metamórfico que todas as deidades possuíam outrora.

Foram perdendo gradualmente suas formas animais, embora ainda encontremos deuses que retiveram as cabeças de animais e passados, como Anúbis, o Deus dos Mortos do Egito, com a cabeça de chacal e o gênio com cabeça de águia esculpido num palácio do século IX na Mesopotâmia.

Nas tradições judaica, cristã e muçulmana, o Deus masculino também perdeu todo e qualquer indício de androginia.

Com o tempo, Deus tornou-se completamente humano e completamente masculino. Essa incapacidade para a transformação contraria a natureza da realidade. A habilidade para transformar energia em matéria e vice-versa é o modo como o universo opera. No nível espiritual, significa que um Deus, como Deus, pode tornar-se outros seres, até criar seres, porque Deus é uno com a criação.

Mas as novas versões dos velhos mitos estavam determinadas na separação e distanciamento entre o criador e a criação. E conseguiram-no.

O Deus solitário e “cioso” tornou-se o padrão nas culturas judaica, cristã e muçulmana. Num dado momento, historiadores patriarcais, argumentaram que a evolução do politeísmo para o monoteísmo era uma marca do avanço da civilização.

Disseram ser um sinal de desenvolvimento humano deixar de crer em muitos deuses e deusas, a favor de um único deus do sexo masculino.

Contudo, eles estavam errados em dois aspectos. Em primeiro lugar, como provou o antropólogo Paul Radin no início deste século, a crença em muitos deuses não impede a crença em um Ser Supremo.

A maioria das culturas que reverenciam mais de um deus, conserva uma forte e inabalável crença num Grande Espírito ou um Todo-Pai ou um Todo-Mãe ou um poder ou força divina que se sobrepõe a tudo, inclusive aos deuses secundários.

Por outras palavras, a história do pensamento religioso não progride de alguma crença ingênua em muitos deuses para uma crença “melhor” em apenas uma divindade masculina e onipotente.

Em segundo lugar, é sumamente discutível que o advento do pensamento monoteístico — em sua forma rígida e inflexível — fosse um sinal de progresso da civilização.

Com a chegada do Deus Pai deu-se a degradação da Terra, da mulher, do corpo, do sexo e das tarefas mais naturais em que os povos primitivos encontravam alegria e felicidade e que passaram então a chamar-se “trabalho”: coletar e preparar alimentos, construir abrigos, fabricar ferramentas e artefatos úteis, etc.

Além disso, as culturas que se desenvolveram em torno da noção de um Deus Pai autoritário oprimem inevitavelmente aqueles que não se enquadram na imagem do homem adulto e todo-poderoso: as crianças, os homossexuais e as comunidades não-humanas de vida animal, vegetal e mineral com quem convivemos e compartilhamos o nosso planeta.

No rígido pensamento patriarcal, tudo isso só tem valor na medida em que sirva às instituições dominadas pelo macho. Quais eram os originais propósitos patriarcais? Em que teia de eventos se originou o patriarcado?

As culturas da Deusa floresceram e prosperaram em climas temperados, onde a vida animal e vegetal é abundante. Todos tinham um acesso relativamente igual aos recursos vitais impor a submissão a tais instituições para garantir a sobrevivência.

A história europeia, em seus primórdios conta, que essas culturas da Deusa foram invadidas por povos de pele mais clara e cabelos louros, provenientes dos climas mais frios e mais ásperos do norte.

Esses invasores arianos cultuavam Deuses Celestes ou Deuses do Trovão, que residiam usualmente no topo das montanhas, afastados da terra inóspita, como os invasores a viam.

Os historiadores descreveram numerosas ondas dessas invasões arianas na índia, no Oriente Médio, Egito, Grécia e Creta. A maior parte delas ocorreu entre 2500 e 1500 antes da era cristã, o mesmo período em que os mitos sagrados estavam sendo revistos.

Por que vieram eles?

Em climas menos acolhedores havia maior incentivo para adquirir e armazenar alimentos e recursos. A sobrevivência dependia disso. Os grupos em que as necessidades da vida escasseavam, assaltavam outras povoações mais afortunadas e tomavam-lhes pela força o que precisavam.

Com o tempo, isso deu origem a uma classe guerreira e a guerra tornou-se uma instituição essencial à sobrevivência e ao crescimento de um modo que era desconhecido nas culturas mais temperadas do sul.

As culturas matriarcais eram relativamente pacíficas; quando a violência ocorria, consistia em escaramuças pessoais e esporádicas.

Embora datas exatas não sejam conhecidas, os historiadores conjeturam que, por volta de 2500 antes da era cristã, os hititas patriarcais desenvolveram a tecnologia necessária para fundir o ferro.

Da Idade da Pedra à Idade do Bronze, as armas eram simples e rudimentares — machados, clavas, fundas — objetos pessoais acessíveis a todos. Ninguém tinha o monopólio dos meios de guerra. Mas com a capacidade de fabricar armas mais sólidas e mais potentes, a natureza da guerra mudou. Era necessário treinamento para aprender como usar as mais recentes armas.

Vigor físico e destreza — e o tempo para desenvolver esses requisitos — passaram a ser de suprema importância.

Os grupos incursores converteram-se em grêmios masculinos, uma vez que o homem, que está livre da gravidez e da criação dos filhos, tinha tempo de sobra para tornar-se guerreiro “profissional” e podia permitir-se ficar afastado de seus acampamentos ou povoados por longos períodos de tempo.

Os historiadores depreendem que os novos desenvolvimentos na metalurgia se transformaram numa indústria masculina orientada para a guerra.

As mais antigas indústrias do estanho, ouro e prata, administradas primordialmente por mulheres, tinham produzido joias, ornamentos e objetos de uso doméstico.

As invasões patriarcais ocorreram ao longo de muitos séculos. Nem todas foram bem-sucedidas e sofreram numerosos reveses, mas em alguns lugares as duas culturas coexistiram bastante bem e misturaram suas respectivas crenças religiosas.

As culturas matriarcais não desapareceram de um dia para o outro, mas foram lentamente erodidas pela própria natureza da nova guerra.

A guerra organizada tinha por objetivo a obtenção de despojos. E entre os despojes de guerra estavam as mulheres e crianças. Os guerreiros podiam violentar e raptar mulheres, roubar crianças e escravizar prisioneiros.

Com o tempo, o status das mulheres nivelou-se com o dos escravos e das crianças, e os costumes sociais mudaram para refletir as novas estruturas da sociedade.

Famílias patriarcais tornaram-se a norma. A mulher tornou-se subserviente a seu marido, que era legalmente o proprietário dela, de todos os bens dela, e de seus filhos.

Os homens passaram a um plano social, econômica e politicamente dominante e, finalmente, instituições, leis, valores e costumes sociais refletiram o mito da superioridade masculina.

As sociedades patriarcais organizadas em torno da guerra basearam-se em valores violentos, militaristas, e a ética masculina, guerreira — e o modo de vida — foram legitimados pelos pronunciamentos de um Deus Pai belicoso e ciumento.

Autoritarismo, disciplina, competição, noções de que “o poder faz o direito”, “ao vencedor pertencem os despojos”, e numerosas punições para o comportamento desviante, tornaram-se os sustentáculos da ética masculina. A partir da Idade do Bronze, esses valores caracterizaram a política, religião, economia, educação e vida familiar ocidentais.

Ironicamente, como a revolução patriarcal da Idade do Bronze coincidiu com o início da história escrita, criou-se a impressão de ser esse o modo como as coisas sempre tinham sido.

Mas o patriarcado é um desenvolvimento bastante recente nos últimos quatro mil anos. É ainda uma experiência nova quando comparada com as centenas de milhares de anos em que os seres humanos viveram em sociedades matriarcais.

É uma simples gota num balde em comparação com os 3,5 bilhões de anos em que outras formas de vida existiram no planeta.

As Bruxas são maléficas.
Este é o julgamento da maioria das pessoas, que vem de uma longa tradição de caçadores de Bruxas, inquisidores, juízes, torturadores e carrascos que foram responsáveis pela sistemática tortura e execução de seis a nove milhões de pessoas na Europa ocidental dos séculos XII a XVII.
Nunca saberemos, é claro, com exatidão quantas pessoas morreram. Algumas estimativas chegam a citar 13 milhões.
O objetivo da Igreja era destruir as crenças e práticas espirituais de muitas comunidades de pessoas que praticavam a Velha Religião.
Isso não era certamente um ponto culminante para líderes religiosos que supostamente praticam os ensinamentos de um homem, cuja mensagem era a de conviver pacificamente com o nosso próximo, dar a outra face, abandonar a espada.
Essa estreiteza de espírito impregna toda a nossa sociedade Não nego que as Bruxas são seres humanos e, por conseguinte, são capazes de causar danos, tal como cristãos, muçulmanos e judeus são igualmente capazes disso.
Os talentos ou dotes de qualquer pessoa podem ser pervertidos e usados para fins errados, mas a grande maioria das Bruxas não faz mau uso de seus poderes.
Além disso, as Bruxas têm o poder de neutralizar seus inimigos de maneira que não lhes inflijam danos.
Se as religiões patriarcais do cristianismo, islamismo e judaísmo tivessem ensinado aos seus povos como neutralizar o mal sem causar mal em resposta, sem empunhar a espada e brandir armas nucleares, por exemplo, teria havido muito menos violência e derramamento de sangue no mundo e a história ocidental poderia não ter sido a deprimente crônica de guerras e perseguições que é.
Como principia a mentira? De que modo começou a imagem negativa da Bruxa?
E como se entranhou tanto em nossa cultura que é quase impossível, para algumas pessoas, ouvir a palavra Bruxa sem pensar automaticamente em Mal?
As respostas a essas perguntas têm raízes que mergulham fundo no passado, decorrentes da revolução patriarcal.
O patriarcado culminou na Europa no século IV, quando a Igreja e o Império Romano uniram suas forças.
Com Constantino, o cristianismo tornou-se a religião oficial do império. Os bispos acompanhavam as legiões romanas nos territórios conquistados e, sob sua proteção, pregavam o que chamavam “as boas novas”.
Mas quando chegaram aos ouvidos dos que cultuavam os Velhos Costumes de seus ancestrais, dificilmente se lhes podia chamar boas novas.
A história do cristianismo é a história de perseguições. Forças cristãs assolaram, perseguiram, torturaram e mataram sistematicamente pessoas cuja espiritualidade diferia da delas — pagãos, judeus, muçulmanos. Até mesmo grupos no seio da própria comunidade cristã, como os valdenses e os albigenses, sofreram sob o braço forte da Igreja.
Qualquer grupo ou indivíduo que as autoridades eclesiásticas estigmatizassem como herege, podia ser julgado e executado.
Quando o cristianismo se propagou pelo globo, as populações indígenas que lhe resistiram ou discordaram de seus ensinamentos foram acusadas de adoradoras do demônio. Vemos que esse argumento foi usado para justificar a perseguição não só na Europa, mas também aos povos nativos das Américas, da África, Polinésia, Oriente e dentro do Círculo Ártico.
Os exércitos cristãos e o clero, ofuscados por uma visão patriarcal e monoteísta do mundo, raras vezes entenderam o valor de caminhos espirituais diferentes dos deles.
Mostraram-se repetidamente incapazes de enxergar a sabedoria sagrada em outras tradições culturais, baseadas em percepções diferentes do poder divino. Na maioria dos casos, nem mesmo se deram ao trabalho de avaliá-la. Não mostraram compaixão, compreensão ou tolerância pelos panteões nativos.
Quando Constantino fez do cristianismo a religião oficial do Império Romano, no século IV, a guerra contra as religiões nativas foi deflagrada a sério. Santuários e lugares sagrados foram saqueados e pilhados, fontes e poços poluídos, sacerdotes e sacerdotisas desonrados e executados.
O primeiro imperador cristão encarnou pessoalmente a feroz violência que seria desencadeada contra as Bruxas. Jogou viva a esposa em água fervente, assassinou seu filho e seu cunhado, e chicoteou um sobrinho até a morte.
Durante seu governo foram lançadas as sementes para o estabelecimento político-militar-eclesiástico que dominaria a sociedade medieval. Ele concedeu aos bispos autoridade para rechaçar sentenças dos tribunais civis, e instruiu os tribunais para que fizessem cumprir todos os decretos episcopais.
Nos mil anos seguintes, os preconceitos patriarcais contra as mulheres institucionalizaram-se nas estruturas vigentes da Europa Medieval, as quais tinham como pilares a Igreja e o Estado.

No século seguinte ao de Constantino, por exemplo, Santo Agostinho argumentou que as mulheres não tinham alma. Essa abominável teoria foi finalmente debatida no Concilio de Mâcon no século VI, e bispos celtas da Grã-Bretanha argumentaram com pleno êxito contra ela.

Assim, não se tornou doutrina oficial da Igreja. Não obstante, a ideia continuou tendo adeptos entre clérigos ainda por muitos séculos.

Mais tarde, Santo Tomás de Aquino construiu uma argumentação racional para tratar as mulheres como escravas. Escreveu ele: “A mulher está em sujeição por causa das leis da natureza, mas é uma escrava somente pelas leis da circunstância… A mulher está submetida ao homem pela fraqueza de seu espírito e de seu corpo.”

Esse infame argumento foi levado ainda mais longe por Graciano, um especialista em direito canônico do século XII: “O homem, mas não a mulher, é feito à imagem de Deus. Daí resulta claramente que as mulheres devem estar submetidas a seus maridos e devem ser como escravas.”

Assim, pelos ensinamentos dos Padres da Igreja, a mulher deixou de ser um reflexo natural da Grande Deusa e Mãe de Todas as Coisas Vivas, para ficar rebaixada à posição de escrava, não feita à imagem de Deus e possivelmente desprovida de alma.

Os respeitados historiadores Will e Mary Durant escreveram que ” a cristandade medieval foi um retrocesso moral” para a civilização ocidental. Muitos historiadores não católicos concordaram com eles. Otto Rank talvez tenha assinalado a razão primordial desse retrocesso moral quando postulou que a história da civilização era “a gradual masculinização da civilização humana.”

Sem dúvida, em seu estilo extremo e paranoide, o ethos masculino, ofuscado por seus próprios valores patriarcais, foi insuperável em sua desenfreada sujeição de metade da raça humana e em sua profanação da Terra e seus recursos.

O cristianismo não se tornou a fé dominante de um dia para o outro e, durante séculos, a Velha Religião e o Cristianismo coexistiram.

No ano 500 da era cristã, a Lei Sálica dos francos tornou legal a prática da magia. Uma lei promulgada em 643 tornou ilegal queimar uma pessoa que praticasse a arte mágica, e em 785 o sínodo da igreja de Paderborn decretou a pena de morte para quem queimasse uma Bruxa.

Por algum tempo, pareceu que não só a Igreja não receava a Feitiçaria, mas até a encarava com seriedade.

O Canon Episcopi declarou que a Feitiçaria era uma falsa crença e que era uma heresia acreditar nela. Mas com o advento da Reforma as atitudes mudaram.

João Calvino e John Knox declararam que negar a Feitiçaria era negar a autoridade da Bíblia, e John Wesley afirmou, “Renunciar à Feitiçaria é, com efeito, renunciar à Bíblia.” Era claro que a Feitiçaria tinha chegado para ficar — o cristianismo necessitava dela para preservar a integridade da Bíblia.

Durante muito tempo, a Igreja também praticou a magia.

São Jerônimo, por exemplo, pregou que um amuleto de safira “consegue os favores dos príncipes, pacifica os inimigos e obtém a liberdade do cativeiro.” E não quis dizer com isso que a pedra podia ser usada como dinheiro para comprar esses favores!

O Papa Urbano V incentivou o uso de um bolo de cera chamado o Agnus Dei, ou Cordeiro de Deus, que protegia contra danos causados por raios, fogo e água. (Não estou certa de como era usado.)

A Igreja vendia rotineiramente talismãs que preveniam contra doenças e aumentavam a potência sexual.

Dos séculos VII a XV, a literatura eclesiástica discutiu a crença generalizada de que um padre podia causar a morte dizendo a Missa dos Defuntos contra uma pessoa viva. É de presumir que alguns sacerdotes estivessem realmente realizando essa magia negra.

Até data bem mais recente, autoridades civis e eclesiásticas usaram Bruxas para provocar tempestades durante batalhas, se uma boa e oportuna tempestade ajudasse à causa delas. Os padres explicaram isso dizendo que Deus permitiu que o poder das Bruxas funcionasse.

Ainda hoje é possível encontrar remanescentes da magia cristã no mundo inteiro, na forma de medalhas, escapulários, patuás, água benta, relíquias, santinhos para colocar no painel dos automóveis, e qualquer objeto bento que seja usado para proteção ou favores especiais.

Assim, durante um razoável número de anos, a magia parece ter sido favoravelmente olhada até por alguns dignitários da Igreja. As bruxas continuaram ocupando posições respeitadas como curandeiras, enfermeiras, parteiras, videntes e profundas conhecedoras das crenças e dos costumes tradicionais do povo. Por toda a Europa havia fortes bolsões de Antigos Crentes.

Mas, gradualmente, a Igreja começou a distinguir entre feitiçaria e magia. Em 1310, por exemplo, o Concilio de Trèves tornou ilegais o exorcismo, a adivinhação e as poções de amor. Isso era considerado magia. E, no entanto, livros sobre bruxaria eram publicados sob os auspícios da Igreja, inclusive com a aprovação eclesiástica.

Von Nettesheim, um autor de livros aprovados sobre bruxaria, aprendeu magia com o Abade João Trithemius.

Qual era a diferença? A diferença era o sexo do praticante.

Os homens faziam feitiçaria. As mulheres, magia. A feitiçaria era aceitável, a magia não. Na realidade, evidentemente, magia é magia. O que a Igreja visava não era a eliminação da magia ou da feitiçaria, mas a eliminação das mulheres que as praticavam.

Um outro desenvolvimento na política da Igreja preparou o terreno para a perseguição das Bruxas. É evidenciado pela correspondência de padres que serviram na Inquisição que, quando as heresias valdense e albigense foram sufocadas no século XIII, os inquisidores preocuparam-se com suas carreiras.

Em 1375, um inquisidor francês queixou-se de que todos os hereges ricos tinham sido executados. “É uma pena”, escreveu ele, “que uma instituição tão salutar quanto a nossa deva ter um futuro tão incerto.”

A caça às Bruxas era um grande negócio. Nobres, reis, juízes, bispos, párocos locais, tribunais, prefeituras, magistrados e funcionários burocráticos em todos os níveis, para não mencionar os próprios caçadores de Bruxas, inquisidores, torturadores e carrascos, lucravam com a indústria. Todos recebiam um quinhão dos bens e riquezas confiscadas aos hereges condenados.

Como poderia tão “salutar” instituição perder seu negócio?

O Papa João XXII achou que não, e ordenou que a Inquisição tratasse de submeter a processo quem quer que praticasse a magia. Os inquisidores não tardaram em descobrir por toda parte praticantes de magia.

Toda a população da Navarra francesa foi suspeita de bruxaria!

A palavra Bruxa significou diferentes coisas para diferentes pessoas em diferentes períodos da história. Um dos significados adquiridos no final da Idade Média foi o de “mulher”. Sobretudo qualquer mulher que criticasse a orientação patriarcal da Igreja cristã.

No século XIV, por exemplo, mulheres que pertenciam aos Franciscanos Reformistas foram queimadas em autos-de-fé por Feitiçaria e heresia.

A literatura eclesiástica cresceu em estridência na sua doutrinação de que as mulheres eram uma ameaça para a comunidade por terem conhecimento de magia.

Com os anos, a campanha funcionou: no espírito popular, as mulheres que conheciam os processos da Arte mágica eram consideradas demoníacas.

A mais influente de todas as peças de propaganda nessa campanha foi encomendada pelo Papa Inocêncio VIII em 1484, depois que declarou ser a Feitiçaria uma heresia. Ele instruiu os monges dominicanos Heinrich Kraemer e Jacob Sprenger para publicarem um manual de caça às Bruxas.

Dois anos depois a obra apareceu com o título de Malleus Malificarum ou “O Martelo das Bruxas“.

O manual foi usado ao longo dos 250 anos seguintes na tentativa da Igreja de destruir a Velha Religião na Europa ocidental, degradar as mulheres que praticavam curas e exerciam liderança espiritual, e criar discordâncias nas comunidades locais a fim de fortalecer as facções políticas e econômicas que a Igreja apoiava (e que, por sua vez, apoiavam a Igreja).

A degradação das Bruxas aviltava todas as mulheres, visto que os argumentos de Kraemer e Sprenger contra as Bruxas decorriam de seus temores patriarcais acerca das mulheres em geral.

Segundo o Malleus malificarum, nenhuma mulher tem direito aos seus próprios pensamentos. “Quando uma mulher pensa sozinha, ela pensa maldades.” (Um argumento, diga-se de passagem, que foi usado na virada do século atual para negar às mulheres o direito de voto: elas poderiam pensar e votar independentemente de seus maridos!).

Os dois monges reacenderam o argumento de Tomás de Aquino a respeito de as mulheres serem física e intelectualmente inferiores aos homens. “Elas são mais fracas de espírito e de corpo…

As mulheres são, intelectualmente, como crianças…

As mulheres têm memória mais fraca e é um vício natural nelas não serem disciplinadas, mas obedecerem a seus próprios impulsos sem uma noção do que é apropriado.”

Em suma, a propaganda de Kraemer e Sprenger acerca da mulher está resumida nestas palavras: “A mulher é uma mentirosa por natureza… Ela é uma inimiga insinuante e secreta.”

O clero cristão não estava sozinho em sua condenação das mulheres. Os autores do Talmude escreveram que “As mulheres são naturalmente propensas à feitiçaria” e “Quanto mais mulheres houver, mais feitiçaria existirá.”

Poderiam esses autores do sexo masculino ter intuído o poder inato da mulher e enxergado corretamente sua relação com o poder divino?

O poder da mulher é o da Deusa. Ao passo que algumas pessoas acharam essa noção reconfortante, os líderes da Igreja patriarcal consideraram-na uma ameaça.

Em suas tentativas para monopolizar toda a experiência visionária, todas as artes curativas e todas as práticas mágicas que engrandecem a vida humana, eles converteram a fonte da vida, a mulher, num inimigo.

E travaram uma guerra contra esse “inimigo” com tanta eficácia que algumas cidades europeias foram deixadas com apenas uma mulher!

No manual de Kraemer e Sprenger, as Bruxas eram retratadas com todas as características que a Igreja tinha usado para descrever os judeus em séculos anteriores: afirmava-se que eram adoradores do Demônio, que roubavam a Eucaristia e os crucifixos das igrejas católicas, que blasfemavam e pervertiam práticas cristãs, que andavam montadas em cabras.

Kraemer e Sprenger usaram até as mesmas descrições para as Bruxas que tinham sido usadas para judeus: chifres, caudas e pés de cabra – -ou seja, as imagens estilizadas que os artistas tinham inventado para descrever o Diabo cristão.

Os motivos que orquestraram e precipitaram a participação nas caças às Bruxas eram um emaranhado de temores, suspeitas e fantasias sadísticas. Nem sempre é fácil discernir a lógica ou a razão.

Mas podemos começar com um dos principais problemas que os líderes eclesiásticos enfrentaram a respeito de sua conquista de comunidades europeias: ela nunca se completou.

Por toda a Europa havia gente que continuou cultuando os velhos Deuses pelos métodos antigos. A frustração da Igreja a esse respeito levou-a a destruir árvores e bosques sagrados, a poluir poços e fontes curativos, e a edificar suas próprias igrejas e catedrais sobre antigos locais de poder onde as pessoas tinham estado em comunhão com espíritos e divindades desde os tempos neolíticos.

Ainda hoje muitas igrejas e lugares de peregrinação cristãos, como Lourdes, Fátima e Chartres, estão construídos em locais que eram consagrados à Deusa e aos antigos Deuses ao longo da história.

Provavelmente continuarão sendo lugares de poder e inspiração muito depois que as igrejas cristãs tenham desaparecido. Em muitas igrejas e catedrais da Europa senti-me feliz ao encontrar imagens de elfos e anões, figuras da tradição popular céltica, que os artesãos pagãos esculpiram na pedra para homenagear os nossos ancestrais. A gente pequena ainda aí está. Seu poder continua presente. Eu o senti.

Onde as pessoas continuaram cultuando e vivendo de acordo com os antigos costumes e práticas consagradas à Deusa, os líderes eclesiásticos agitaram medos e fantasias a respeito de seu arqui-inimigo, Satã.

Fizeram isso desfigurando e distorcendo as imagens arquetípicas de divindade consagradas pelo tempo, mormente a da Grande Mãe Cósmica e seu alter ego e consorte, o Deus Cornífero.

Quando o cristianismo e as antigas religiões naturais se chocaram na Europa, os missionários usaram a imagem do Divino Filho, o Deus Cornífero, como representação do Satã cristão.

Com o tempo, qualquer figura ornada de chifres invocava imagens de maldade satânica. Ironicamente, o uso de chifres como símbolo de honra e respeito era um costume generalizado que teve sua origem nas culturas caçadoras neolíticas.

O capacete cornífero acabou sendo estilizado como a coroa real. Isso foi um desenvolvimento lógico, visto que um caçador repetidamente bem-sucedido assumia na tribo um papel cada vez mais proeminente e respeitado, o que evoluiu para o de cacique ou de rei.

William C. Gray, um estudioso das tradições espirituais ocidentais, sublinhou que a tradição da Idade da Pedra do caçador que sacrificou sua vida pela tribo foi ampliada para a do rei que sacrificou sua vida pelo povo. “O caçador-filho deve morrer” tornou-se “O rei deve morrer”.

Mas o uso de chifres era um costume generalizado que não se limitava às sociedades caçadoras neolíticas. Os antigos deuses gregos — Baco, Pã e Dionísio — eram representados com chifres, assim como Diana, a caçadora, e a egípcia Isis.

Alexandre Magno e Moisés, que não eram deuses, foram homenageados entre seus seguidores com chifres, como um sinal de suas proezas e do favor divino que parecia abençoar suas façanhas. Os chifres eram uma representação física da luz da sabedoria e do conhecimento divino que irradia deles (à semelhança de halos).

O Deuteronômio diz-nos que a “glória de Moisés é como o primogênito de seu novilho, e seus chifres são como os chifres de unicórnios.” Os chifres também foram usados em elmos gregos, romanos e italianos até o século XIV como símbolo de força e coragem.

Como William G. Gray e o Dr. Leo Martello sublinharam, Jesus, com sua coroa de espinhos, tornou-se uma outra imagem do grande arquétipo ocidental do rei que sacrificou a vida por seu povo.

Muitos costumes e termos continuam refletindo a importância que os chifres tiveram outrora no folclore local. A palavra inglesa scorn deriva da palavra italiana scornare, que significa “sem cornos” e, figurativamente, “aviltar, escarnecer, desprezar”, pois ser desprovido de chifres era um sinal de desgraça, vergonha ou desprezo.

Erguer os dedos indicador e mínimo na forma de chifres era um gesto para rechaçar mau-olhado. Hoje significa “touro”. A ferradura da sorte tem a forma de chifres recurvados. E como era o macho que tinha chifres, o chifre tornou-se facilmente um símbolo fálico.

Leo Martello chamou a nossa atenção para o fato de que o adjetivo contemporâneo horny (literalmente, feito de chifre, córneo; mas em gíria, lascivo, libidinoso), o qual até data recente se referia unicamente a homens, também derivou desses conceitos.

Entre as antigas religiões naturais européias, as divindades masculinas (o de pés de bode, o Deus grego da natureza Pã, o romano Fauno, o céltico Cernunnos) representavam o Filho da Grande Mãe Cósmica. Juntos, Mãe e Filho encarnaram as poderosas e saudáveis forças vitais da terra.

As sacerdotisas da Velha Religião preiteavam a Deusa e seu Cornífero Consorte adornando os seus sacerdotes com chifres e usando o crescente lunar em suas próprias frontes.

Contra essas antigas práticas religiosas, a Igreja deflagrou uma acirrada campanha. Entre suas armas estava a doutrinação de que a mulher era maligna, a Feitiçaria era obra do demônio e as representações corníferas de Deus e Deusa eram imagens de Satã.

Subjacentes nesses ataques estavam os medos de mulheres, sexo, natureza e corpo humano. A doutrina oficial da Igreja, elaborada ao longo dos séculos por um clero celibatário e exclusivamente masculino, pregava que a mulher era a origem de todo o Mal (desde que Eva conspirou com a serpente), que a Terra estava amaldiçoada por Deus (como punição por esse pecado), e que o sexo e o corpo eram sujos e desprezíveis. “O mundo, a carne e o demônio” é o modo como tudo isso era — e ainda é — sintetizado.

A Igreja nunca aceitou a antiga crença de que a Terra era sagrada, fervilhante de Deuses e de espíritos divinos. Não pôde entender ou tolerar uma espiritualidade que celebrava o corpo humano ou, a bem dizer, os corpos de todos os animais.

Enquanto que os cristãos batiam compungidos no peito, acusavam-se de pecados da carne e lamuriavam-se a respeito do tormento que era viver em “um vale de lágrimas”, os adoradores da Deusa cantavam, dançavam, festejavam e descobriam, como diz a Recomendação da Deusa, que ‘ ‘todos os atos de amor e prazer são meus rituais”.

Os protestantes deploraram as alegres atividades de rituais grosseiros, como cantar, dançar e outros folguedos — ainda mais do que os católicos. A teologia protestante atribuía muitas dessas atividades à influência direta do demônio. Na Velha Religião, entretanto, elas constituíam sacramentos.

Durante a Era das Fogueiras, uma conspiração cristã formada por autoridades eclesiásticas e civis procurou eliminar sistematicamente os antigos festejos. Diretrizes da Igreja instruíram os clérigos locais para substituir festividades pagas por dias santos cristãos.

O Natal foi estabelecido para conflitar com o solstício de inverno, a Páscoa com o equinócio da primavera, a festa de São João Batista com o solstício de verão, o Dia de Todos-os-Santos com o Novo Ano céltico, Samhain. E assim durante o ano inteiro, sempre que existisse uma festa paga local.

As autoridades também pregaram contra os folguedos que tinham lugar nesses dias santos, especialmente os rituais que envolvessem ritos sexuais. Em muitas culturas pré-cristãs, fazer amor era uma reencenação sacramentai da criação.

Uma Igreja que desconfiava do sexo e da mulher tinha grande dificuldade em aceitar a ideia de que a sexualidade das mulheres pudesse ser sagrada. Uma espiritualidade que celebrava os “atos de prazer” porque eram sagrados para a Deusa representava considerável ameaça para padres e monges celibatários que achavam difícil tolerar pensamentos lascivos inclusive neles próprios.

O humanista dominicano Matthew Fox observou que o mito da “queda do paraíso” criou uma teologia “que não pode considerar a santidade da sexualidade”.

Como ele escreveu em Original Blessing, seu apelo em favor de um cristianismo mais místico, terreno, feminista, “não é segredo que os modelos de santidade que o período patriarcal do cristianismo nos propôs, raramente têm sido pessoas leigas.”

O ideal na Igreja Católica sempre foi o celibato, e uma vida sexual ativa fora do matrimônio sempre foi desencorajada. A uma mulher só é permitido expressar sua sexualidade como parceira sexual para um marido. Por outras palavras, a sexualidade de uma mulher deve estar limitada a um casamento patriarcal, quando pode ser controlada por um homem. Mesmo no casamento, o sexo continua sendo suspeito.

Ainda é “a carne”, que a teologia cristã tradicional nos diz ser fraca. Um clero celibatário e freiras virginais transmitem uma mensagem bastante clara (tal como a mensagem recentemente reafirmada pelo Vaticano de que as mulheres não podem ser sacerdotes porque não têm um corpo masculino!).

Alguns pensadores cristãos suspeitavam há muito de que o pecado original era o sexo e de que comer o fruto da árvore do conhecimento era uma metáfora, a qual misericordiosamente evitava a necessidade de mencionar “isso” de forma concreta num livro sagrado!

Foi ensinado que Eva, a tentadora, era uma sedutora, e que toda mulher é Eva. Esse argumento foi usado durante a Era das Fogueiras e chegou à nossa própria era a fim de criar suspeitas acerca dos motivos das mulheres.

Era evidente que a Igreja não podia tolerar as antigas religiões da Terra em culturas pré-cristãs. Mas a pergunta interessante é esta:

Por que, após centenas de anos de “coexistência” entre comunidades cristãs e bolsões de Antigos Crentes, um tão virulento sanguinário ataque contra as Bruxas começou em fins do século XV e continuou por mais de 200 anos?

A ausência de ação da Igreja nos primeiros tempos da Idade Média foi atribuída à sua falta de maquinaria política para levar a cabo uma campanha geral contra as Bruxas. No começo do período medieval, a Igreja ainda não consolidara sua posição nas sociedades europeias.

Sua influência estava fracamente disseminada. A tolerância era, portanto, uma necessidade.

Mas no final da Idade Média o quadro tinha mudado.

A Igreja convertera-se numa importante força política e econômica na Europa. A Inquisição era poderosa. As Cruzadas tinham criado acordos militares e econômicos entre bispos locais e nobres ricos (alguns bispos eram, cumulativamente, nobres ricos). A máquina estava montada para uma perseguição generalizada dos dissidentes.

As caças às Bruxas estavam a serviço dos interesses de quem? Pergunta Starhawk em seu arguto livro sobre Feitiçaria, Dreaming the Dark.

Enunciada a questão nesses termos, a nossa atenção é atraída para outras facções, à parte as igrejas cristãs, que também tinham interesses egoístas na eliminação das Bruxas e de quem quer que eles resolvessem rotular de Bruxa.

Que outros interesses eram esses que apoiavam e se empenhavam na perseguição?

Em primeiro lugar, os crescentes elementos comerciais nas sociedades do final da Idade Média estavam começando a considerar a terra uma mercadoria que podia ser comprada, conservada como propriedade e vendida.

A concepção tradicional, tão sagrada para as culturas geocêntricas dos nossos ancestrais, tinha sido a de que ninguém era dono da terra, nem mesmo os senhores a possuíam no sentido de que poderiam vender suas terras se quisessem.

A terra pertencia à comunidade, até os camponeses tinham direitos, como coletar lenha nas florestas e apascentar seus animais nas terras públicas, e o direito a viver na terra.

Os senhores do reino estavam moralmente obrigados a respeitar esses direitos. Entretanto, com o desenvolvimento da economia de mercado, os chamados senhorios e latifundiários começaram expropriando a terra para si próprios e expulsando os camponeses que lhes estorvassem o caminho.

A noção capitalista de propriedade privada começou desalojando as antigas atitudes comunais de que a terra era sagrada e pertencia ao povo como um todo.

Os pioneiros capitalistas na América encontraram as mesmas atitudes comunais entre os povos nativos e tiveram que recorrer à guerra — física e ideológica – para eliminar as sociedades indígenas cujos conceitos de terra e cujo espírito eram um obstáculo ao chamado “progresso”.

O movimento de demarcação de terras, que se iniciou no apogeu da Idade Média e prosseguiu até o século XIX, desintegrou seriamente a vida camponesa.

Ao “demarcar” e fechar com cercas as terras comuns, para serem daí em diante administradas sob sua própria jurisdição, os senhorios privaram os camponeses de seus antigos direitos.

O conceito feudal de terra como um organismo compartilhado por todos os elementos da sociedade foi gradualmente erodido por uma economia de mercado. Nesse processo, aldeias inteiras ficaram despovoadas.

Milhares de famílias de camponeses foram empurradas para mais longe, para as áreas desabitadas e inóspitas, ou atraídas para as cidades em crescimento, onde passavam a trabalhar como assalariados das novas indústrias.

A vida paga da aldeia foi subvertida, os vizinhos começaram a temer os vizinhos, e, como acontece com tanta frequência, eram precisos bodes expiatórios para explicar os tempos inseguros.

Como foi fácil para a Igreja e os interesses dos ricos explorar essa situação deflagrando caçadas às Bruxas em diversas regiões contra indivíduos que acreditavam nos velhos costumes e se batiam por um modo de vida baseado na unicidade da Terra e seu caráter sagrado.

Além dos florescentes interesses comerciais e dos latifundiários ávidos por explorar a terra, a profissão médica também se interessou na perseguição das Bruxas e das curandeiras que ofereciam uma alternativa às práticas médicas ensinadas nas universidades da época.

O esforço para estabelecer uma comunidade médica profissional envolveu a restrição de conhecimentos médicos àqueles que frequentavam cursos formais de estudo.

E claro, eles podiam então fixar seus próprios honorários e excluir quem quer que eles não considerassem habilitado para a prática médica.

Não surpreende que eles julgassem as mulheres impróprias para a função de curar. Como declarou o Malleus Malificarum, “Se uma mulher se atreve a curar sem ter estudado, ela é uma bruxa e deve morrer.” Nada mais simples.

As Bruxas tinham, é claro, estudado, mas não nas universidades. Estudaram na natureza, aprenderam com as anciãs da comunidade, experimentaram por conta própria, solicitaram conselhos às próprias plantas e ervas.

O que realmente exasperava a profissão médica e a Igreja era o fato de as Bruxas serem excelentes curandeiras.

Em 1322, uma mulher foi presa por praticar medicina e julgada pelo corpo docente médico da universidade de Paris. Embora o veredito declarasse que ela era “mais proficiente na arte de cirurgia e medicina do que os maiores mestres ou doutores de Paris”, isso pouco adiantou para conquistar o respeito da profissão médica masculina pelas curandeiras.

Muitos remédios das Bruxas eram indolores e mais eficazes do que as sangrias, lavagens e purgantes que eram as práticas médicas correntes até o século XX. E para muitas pessoas os sortilégios e fórmulas mágicas de uma Bruxa eram a única medicina a que tinham acesso.

As Bruxas também eram bodes expiatórios para os físicos ignorantes. Quando um médico era incapaz de curar alguém, sempre tinha o recurso de culpar uma Bruxa pelo insucesso. Ironicamente, as curas milagrosas, quando realizadas por um médico, eram atribuídas a Deus ou à intervenção de santos. Mas as curas milagrosas conseguidas por bruxas eram obra do demônio!

Os talentos curativos de uma Bruxa também significavam uma subversão para a ortodoxia religiosa. Eliminar a dor era uma atitude anticristã. Em consequência da queda de Adão e Eva, presumia-se que as pessoas tinham que sofrer, especialmente as mulheres no ato de dar à luz, pois o Deus do Antigo Testamento tinha amaldiçoado a mulher e decretado que ela teria de parir na dor e na pena.

Kraemer e Sprenger afirmaram que “ninguém causa maior dano à fé católica do que as parteiras”. O que eles tinham em mente era que os partos indolores desafiavam a maldição do Deus patriarcal sobre a mulher e o fato de que as Bruxas não batizavam o recém-nascido.

As Bruxas tinham analgésicos, tratamentos antiflogísticos, coadjuvantes digestivos, drogas contraceptivas e muitos outros tratamentos herbáceos e naturais que hoje constituem a base de muitos produtos farmacêuticos. Seus conhecimentos sobre como facilitar o parto e acelerar a recuperação fez delas as melhores parteiras.

Não admira que a profissão médica desencadeasse uma campanha para eliminar as parteiras como profissão legítima!

Foi uma longa campanha. Durou até o século XX nos Estados Unidos (e com uma considerável soma de dinheiro e propaganda), quando finalmente o ofício de parteira foi eliminado, como opção disponível para ajudar as parturientes.

Às mulheres é negado o status profissional como curandeiras por um establishment médico-religioso inteiramente dominado pelo homem e empenhado em desacreditar todas as técnicas de cura natural como supersticiosas, ineficazes e até perigosas.

Sabemos hoje por estudos antropológicos de povos na África, Polinésia e Américas do Norte e do Sul que um dos modos mais eficazes de destruição de uma cultura consiste em destruir a confiança em seus curandeiros e líderes espirituais.

Quando esses dois papéis são insidiosamente enfraquecidos, as pessoas ficam desmoralizadas, seu modo de vida desintegra-se, e elas são mais facilmente assimiladas no sistema de valores das forças invasoras, sejam elas políticas ou eclesiásticas.

As profissões nascentes, aliadas às autoridades eclesiásticas, fizeram precisamente isso por toda a Europa. Criaram a imagem da Bruxa como uma intrometida e supersticiosa, vendedora ambulante de tratamentos e remédios ineficazes e perigosos.

E disseram que seu Deus Cornífero era o Satã cristão. Para justificar os milhões de execuções, a Igreja criou uma demonologia sistemática em torno das crenças, práticas e festividades populares pré-cristãs.

Adicionaram-se-lhes fantasias sobre pactos com o diabo, sádicos e bizarros rituais sexuais, e arremedos obscenos de cerimônias católicas.

Os piores temores cristãos acerca da salvação e da punição eterna eram projetados em pessoas inocentes que se acusava de estarem conluiadas com o diabo.

A natureza sexual da histeria a respeito das Bruxas parece ser o resultado lógico da repressão sexual baseada em doutrina religiosa.

Num sentido, a caça às Bruxas era mais em torno do sexo do que do culto do demônio.  É claro, quando as mulheres “acusadas” eram perguntadas’ sobre se tinham sonhos com o diabo, muitas disseram que sim. O diabo era um tema importante na cultura medieval e renascentista.

O diabo era falado, temido, descrito, e responsabilizado por tudo o que corresse mal. E perfeitamente normal as pessoas sonharem a respeito das imagens culturais que constituem uma parcela tão importante de suas vidas.

Tenho a certeza de que os caçadores de Bruxas também sonhavam com o diabo e provavelmente sonhavam também a respeito de Bruxas sonhando com o diabo!

Armados com o Malleus Malificarum, os caçadores de Bruxas entravam nas aldeias e povoados e iniciavam sua busca. O guia oficial sugeria que as crianças eram os melhores informantes porque era fácil intimidá-las.

Um método rotineiro era aplicar a meninas adolescentes 200 chicotadas em suas costas nuas para encorajá-las a acusar suas mães e avós de Feitiçaria.

As chamadas provas de prática de Feitiçaria eram variadas, ilógicas e usadas sem o menor critério. Por exemplo, se uma mulher, ao ser acusada, murmurasse alguma coisa com os olhos postos no chão e não derramasse lágrimas, era uma Bruxa.

Se permanecesse em silêncio, era uma Bruxa. Olhos dessemelhantes e olhos azul-pálidos indicavam uma Bruxa assim como a presença da “marca do Diabo” (uma espécie de mamilo grande que aproximadamente uma em cada três mulheres apresenta).

Uma verruga, um nevo (pinta) ou lunar também se qualificava como sinal do Diabo, assim como a presença de sardas.

Se qualquer dessas “marcas do Diabo” não fosse encontrada, um inquisidor decidido a incriminar uma determinada mulher como Bruxa podia suspeitar de que a marca tinha sido habilmente escondida para não ser detectada.

Um exame formal do corpo inteiro da mulher era então ordenado, usualmente em público, diante de observadores curiosos que estavam mais interessados em ver a mulher nua do que em descobrir uma marca do diabo.

Examinar o corpo de uma mulher para encontrar sinais do diabo resultou num tão elevado número de casos de estupro que os bispos tiveram finalmente que elaborar diretrizes escritas para desencorajar o “zelo” com que os inquisidores realizavam sua busca.

A investigação podia ser feita com a ajuda de uma ”punção de bruxa”, um instrumento semelhante a um furador de gelo. Os caçadores profissionais de Bruxas (que só eram remunerados quando podiam convencer as autoridades locais de que tinham realmente capturado uma Bruxa) usavam com frequência duas punções, uma normal e uma outra com ponta retrátil que se ocultava no punho.

Depois de extrair sangue de várias partes do corpo com a punção normal para estabelecer se o instrumento estava bem afiado, o caçador de Bruxas trocava então sub-repticiamente as punções e “enterrava” a lâmina da punção retrátil até o punho no corpo da mulher acusada. Se ela não manifestasse sentir dor, isso era prova evidente de que era Bruxa.

O princípio de corpus delicti não era necessário para estabelecer o “crime” de Feitiçaria. Não se precisava de uma vítima ou prova de um crime genuíno. Boatos, acusações e falsos testemunhos de outros na comunidade eram suficientes.

Na aldeia de Salem, um sinal comum de Feitiçaria era “o dano depois da ira”. Por outras palavras, se duas mulheres brigavam e os filhos de uma delas adoeciam ou sua vaca morria, ela podia presumir que essa ”maldade” era obra da mulher com quem brigara. O dano era “mágico ” e a mulher era ”Bruxa”.

A incapacidade para recitar o Pai-Nosso em público, diante de uma comissão de investigação, sem tropeçar nas palavras, era considerado um sinal de Feitiçaria.

De acordo com a Woman ‘s Encyclopedia of Myths and Secrets, de Barbara Walker, uma mulher que vivesse sozinha era considerada uma Bruxa, sobretudo se ela resistisse a ser cortejada.

Na Inglaterra, uma mulher foi assassinada por um grupo de soldados que a viram pegando jacaré-na-praia. “… ela corria velozmente sobre a prancha, mantendo-se firme e ereta acima da rebentação”, informaram eles e supuseram por isso que a moça estava praticando magia. Quando ela chegou à praia, rasparam-lhe a cabeça, espancaram-na e mataram-na a tiros.

Uma mulher corria alegremente colina abaixo, à frente de seu balde vazio, gritando-lhe para que ele a seguisse. Aqueles que a viram fazendo essa inocente brincadeira pensaram que era feitiçaria e levaram-na perante as autoridades.

Uma Bruxa escocesa foi detida por dar banho em crianças da vizinhança, uma prática higiênica que nesse tempo não era vista com bons olhos.

Havia regras para a tortura, como se isso a tornasse de algum modo mais humana. Por exemplo, a tortura nunca poderia durar mais de uma hora. Mas os inquisidores podiam suspender uma sessão minutos antes de se completar a hora, e assim começar de novo uma outra sessão.

Havia três etapas aprovadas: uma, para obter uma confissão; a segunda para determinar o motivo; e uma terceira para incriminar cúmplices e simpatizantes.

Por vezes, a tortura podia durar as 24 horas do dia. Os tornozelos eram quebrados, seios decepados, enxofre despejado nos cabelos da cabeça e de outras partes do corpo e tocava-se-lhe fogo; braços e pernas eram desarticulados, os tendões desfibrados, espáduas deslocadas, agulhas em brasa enfiadas sob as unhas dos dedos das mãos e dos pés, e os polegares esmagados em torniquetes.

Às vítimas eram dados banhos escaldantes em água misturada com cal viva, içadas em cordas e depois deixadas cair, suspensas pelos polegares com pesos atados aos tornozelos, penduradas de cabeça para baixo e fazendo-as girar, chamuscadas com archotes, estupradas com instrumentos cortantes, espremidas sob pesadas pedras.

Por vezes, os membros da família eram forçados a presenciar a tortura de um outro antes de chegar a vez de cada um deles.

A caminho da fogueira, as vítimas podiam ter suas línguas arrancadas ou as bocas esfregadas com um atiçador em brasa para impedi-las de blasfemar ou de gritar obscenidades durante a execução.

O inquisidor Nicholas Remy declarou-se atônito, conforme admitiu, com o fato de “tantas Bruxas terem um desejo positivo de morte”. É difícil acreditar que ele não conseguisse entender por quê.

Leva cerca de meia hora para morrer em resultado da fumaça e das bolhas na pele. O carvão vegetal de combustão lenta pode prolongar a agonia por um dia inteiro.

Terminado o auto-de-fé, realizava-se usualmente um jantar público para celebrar “um ato agradável a Deus”.

Na minha cidade ninguém foi queimado em fogueira. As bruxas eram enforcadas ou esmagadas sob pesadas pedras.

As 20 pessoas executadas em Salem sempre pareceram um pequeno número quando comparado aos milhões que sofreram na Europa, mas proporcionalmente, os mortos, os que ainda estavam presos e os acusados mas ainda não detidos, formavam uma considerável percentagem da população numa área escassamente povoada.

Foi uma verdadeira histeria. Gente de todos os setores da vida tinha sido acusada: um pastor graduado por Harvard e dono de uma grande propriedade rural na Inglaterra; o mais rico armador e proprietário de navios mercantes em Salem; o capitão John Alden, filho de John e Priscilla, os lendários amantes da colônia de Plymouth; até a esposa do governador da colônia de Bay.

Ninguém estava seguro.

Tudo começou na cozinha do Reverendo Paris, onde Tituba, uma escrava de Barbados, entretinha a filha do Reverendo e suas amiguinhas durante os frios meses do inverno de 1691.

As meninas perguntaram a Tituba, que conhecia métodos de adivinhação, como seriam seus futuros maridos, uma preocupação normal da maioria das meninas que rondavam a puberdade.

Com o passar do tempo, as meninas começaram a ter desmaios, acessos de melancolia, adotavam posturas e gestos insólitos, e tinham visões. (Uma geração depois, em Northampton, Massachusetts, o mesmo tipo de comportamento entre jovens levaria o Reverendo Jonathan Edwards a declarar que estava ocorrendo uma “aceleração” espiritual, e assim começaria o primeiro “Grande Despertar’ ‘ na história do revivescimento religioso americano.)

Na aldeia de Salem, esse mesmo comportamento foi interpretado por líderes eclesiásticos como obra do diabo.

Foram tomados depoimentos em audiências públicas durante os meses seguintes, nas quais as meninas e outras que tinham começado a ser também afligidas pelo mesmo comportamento (que se convertera numa “coqueluche” entre as adolescentes), acusaram membros adultos na comunidade de as perseguirem e atormentarem.

Elas tinham fantasias bizarras de pessoas em tudo o mais respeitáveis que estariam envolvidas em atividades sinistras com o diabo.

Quando o inverno cedeu o lugar à primavera, infortúnios naturais foram assacados ao diabo através de certos habitantes da aldeia. De acordo com as teorias da época, o diabo só podia operar através de alguém com a cooperação dessa pessoa. Alguém que tivesse feito um pacto com o diabo. Alguém que fosse uma “Bruxa”.

Foram feitas acusações, pessoas detidas, inquéritos abertos, e no começo da primavera as prisões estavam superlotadas.

Depois a coisa propagou-se. Foram descobertas “bruxas” em Beverly, Topsfield, Andover, Ipswich, Lynn e virtualmente em todas as cidades e aldeias do Condado de Essex.

Na realidade, houve em Andover mais prisões do que em Salem. As autoridades de Boston enviaram representantes para conduzir os julgamentos.

Os primeiros julgamentos começaram em junho, e Bridget Bishop foi enforcada depois de ter ficado encarcerada desde abril. Os acontecimentos sucederam-se com rapidez. Em julho, Rebecca Nurse, Sarah Good, Elizabeth How, Sa-rah Wild e Susanna Martin foram enforcadas.

Os julgamentos de agosto consideraram culpados John Willard, John e Elizabeth Proctor, George Jacobs, Martha Carrier e o Reverendo Géorge Burroughs.

Todos foram executados, exceto Elizabeth Proctor, que estava grávida e teve sua execução suspensa até nascer o bebê. Os julgamentos de setembro mandaram para a forca Martha Cory, Alice Parker, Ann Pudeator, Mary Esty, Margaret Scott, Mary Parker, Wil-mot Reed e Samuel Wardwell.

O marido de Martha Cory, Giles, teve morte por esmagamento sob o peso de pedras. E quando esse hediondo verão terminou, mais de uma centena de pessoas estavam ainda aguardando julgamento, e várias centenas mais tinham sido acusadas.

Finalmente, cabeças mais frias começaram a predominar. Increase Mather pregou em Cambridge que a questão de provas aceitáveis como evidência de “Feitiçaria” assentava-se em bases muito duvidosas e precárias, sobretudo a noção de evidência espectral, ou a habilidade do diabo para assumir a forma de alguém na comunidade.

Embora não negando que o diabo podia assumir a forma de um homem ou de uma mulher, era bastante difícil “provar” que ele ou ela tinha efetuado o pacto inicial com o diabo. Não podia o diabo assumir igualmente a forma de uma pessoa inocente?

Algumas pessoas estavam começando a pensar que sim. Finalmente, Increase Mather argumentou ser preferível deixar uma “Bruxa” escapar à execução do que dar a morte a dez pessoas “inocentes”. Seus argumentos levaram a melhor e a caça às Bruxas cessou pouco depois.

Uma questão que frequentemente vem à tona acerca das 20 pessoas executadas e as centenas acusadas é a seguinte: Eram elas realmente Bruxas?

Os dados históricos são escassos. Estou certa de que algumas ou muitas delas, como suas congêneres na Europa, ainda retinham muitas das práticas da Velha Religião — ervas, poções especiais, adivinhação, técnicas de cura natural. Algumas podem ter até celebrado as antigas datas festivas naturais.

Sabemos que colonos do Massachusetts em Marymount erigiram um Maypole (o mastro enfeitado da festa da primavera) no começo do século. Mas a questão sobre se eram devotos da Deusa ou não nunca foi apurada.

Havia certamente Bruxas entre seus ancestrais, mas elas próprias podem não ter sido Bruxas na acepção de serem nossas correligionárias. A maioria dessas pessoas era, provavelmente, de cristãos devotos.

Não obstante, penso que devemos reivindicá-las como Bruxas. Certamente morreram pela nossa liberdade. Recusaram-se a admitir que tivessem cometido qualquer crime. (É interessante assinalar que nenhuma das que confessaram praticar a Feitiçaria foi enforcada.

Declararam-se arrependidas e foram readmitidas na comunidade. Também poderíamos indagar se aquelas que confessaram eram realmente Bruxas ou o fizeram para salvar a própria vida. Muita coisa se perde nas páginas da história.)

Se as vítimas da caça às Bruxas em Salem e cidades vizinhas não eram bruxas, então o Museu da Bruxa, situado a algumas quadras de minha casa, não é realmente sobre Feitiçaria, e os visitantes que o percorrem aos milhares todos os anos não estão realmente aprendendo a verdade sobre quem somos ou o que praticamos.

Durante anos, as Bruxas de Salem protestaram a esse respeito junto à Administração do Museu e conseguimos finalmente que os turistas fossem alertados para isso.

O que os visitantes aprendem em seus giros pelo museu não é a religião da Deusa, mas o que pode acontecer a uma comunidade cristã que sucumbe a um medo irracional do diabo e projeta essa imagem maléfica em membros da própria comunidade.

A medida que o século XVIII avançava, as pessoas foram ficando mais céticas a respeito de Feitiçaria.

O espírito da época — a racionalidade do Iluminismo — convenceu as pessoas de que essa magia era embromação e de que quem a praticava estava cedendo à autossugestão.

A nova era também era mais cética sobre a religião em geral e menos zelosa em perseguir os não-crentes. A ira que tinha alimentado as caças às Bruxas aquietou-se.

Em 1712, a última pessoa condenada por Feitiçaria era executada na Inglaterra, embora as leis anti-bruxaria permanecessem teoricamente em vigor até o século XX.

Na Escócia, a última execução teve lugar em 1727 e as leis foram revogadas em 1736. É claro, por toda a Europa e na América houve julgamentos e execuções esporádicas.

Na Hungria, em 1928, por exemplo, os tribunais absolveram uma família que tinha espancado uma anciã até a morte por suspeita de bruxaria. Com ou sem as leis e as autoridades civis ou eclesiásticas para apoiá-las, as pessoas continuaram molestando Bruxas e, com frequência, causando-lhes sérios danos físicos.

Certa vez, um fotógrafo perguntou-me se eu estaria disposta a posar para uma foto ao lado do túmulo do Juiz Hathorne, um dos magistrados que perseguiu Bruxas em Salem e nas cidades vizinhas no século XVII.

Eu concordei e agora, sempre que olho para a foto, digo ao Juiz Hathorne e seu bando: “Nós sobrevivemos. Ainda estamos aqui.”

No começo do século atual, o renovado interesse pelo espiritualismo e a metafísica, encorajado em parte pelos novos campos da psicologia e da antropologia, estimulou uma vez mais o interesse pela nossa Arte, mas, agora, entre pessoas mais compreensivas.

O oculto (definido lato sensu para incluir questões metafísicas) era altamente respeitável entre escritores e artistas importantes, como W. B. Yeats, James Joyce, William James, Bernard Shaw e Madame Helena Blavatsky.

As obras de Sigmund Freud e Carl Jung discutiram os poderes do inconsciente, e os livros de Jung apresentaram poderosos argumentos segundo os quais os temas, imagens e símbolos coletivos que fizeram parte da mente humana desde o princípio do tempo continuam sobrevivendo na consciência moderna.

Estudos de campo em antropologia descobriram as contrapartes das Bruxas europeias entre xamãs, curandeiros, pajés, visionários e médicos-feiticeiros nativos em todo o mundo, e os ocidentais aprenderam que essas pessoas não constituem ameaças para uma comunidade mas são, na realidade, sua própria seiva.

Sem elas, as culturas indígenas não poderiam existir.

Em 1921, Margaret Murray, folclorista e antropóloga, publicou The Witch Cult In Western Europe, seguido de The God of the Witcbes em 1933. Nesses dois livros, a autora argumentou que a Feitiçaria era a antiga religião da Europa ocidental, uma religião pré-cristã que cultuava as divindades da fertilidade, especialmente o Deus Cornífero de duas faces, chamado Janus ou Dianus em latim.

Acreditava Margaret Murray que a Arte era uma religião organizada, celebrando as duas principais festas em lº de maio e 31 de outubro, e oito “Sabás” ou dias festivos ao longo do ano.

Ela descreveu práticas visionárias, xamânicas, que gravitavam em torno de grupos de 13 pessoas. Em geral, o “culto da Bruxa”, como essa autora o chamou, era uma religião jubilosa, celebrando os ciclos de fertilidade do ano com festejos, danças e cantos. Nada tinha a ver com o culto do diabo.

Outros especialistas encontraram erros na obra de Margaret Murray, como o fato de que ela não logrou provar que a Arte estava formalmente organizada e que essa organização abrangia toda a Europa.

Tampouco conseguiu estabelecer que o grupo de 13 pessoas e os Sabás tradicionais, tal como os conhecemos, existiam antes da época da Inquisição. Mas sua obra, assim como as críticas que lhe foram feitas, levantaram importantes questões sobre quem somos nós e desvendaram novos e excitantes modos de considerar a nossa história.

Talvez sua maior contribuição para a “nova imagem” da Bruxa no século XX tenha sido provar que as práticas pré-cristãs não se extinguiram com a chamada conversão dos povos pagãos à Igreja, e mostrar de forma convincente que o Deus Cornífero dos nossos ancestrais não era o Satã cristão.

Em meados do século, Gerald B. Gardner, um antropólogo e folclorista amador, escreveu e publicou os primeiros livros sobre a Arte por um bruxo praticante. Na década de 1930, afirmou ele ter descoberto uma Assembleia na Inglaterra que vinha obedecendo de maneira contínua aos preceitos da Velha Religião desde tempos muito remotos.

Ele foi iniciado na Arte por esse grupo de Bruxas e fundou sua própria Assembleia na Ilha de Man. Em 1949, publicou (sob pseudônimo) High Magic’s Aid, um romance histórico; e, tendo as leis antibruxaria sido revogadas na Inglaterra em 1951, publicou duas importantes obras com seu próprio nome: Witchcraft Today (1954) e The Meaning of Witcbcraft (1959).

Esses livros foram o primeiro rompimento notável com o segredo e o silêncio que sempre tinham cercado a Arte.

A descrição de Gardner da nossa Arte tornou-se a abordagem clássica para muitas Bruxas que buscavam um manual ou guia para a prática da Arte.

Hoje, existem muitas Bruxas e Assembleias de Bruxas gardnerianas que continuam praticando mais ou menos fielmente de acordo com a orientação geral preconizada por Gardner, que representa para elas um arauto dos Antigos Métodos. (Entretanto, Bruxas criadas em tradições de família afirmam que o que aprenderam de seus pais e avós não se assemelha à versão de Gardner da antiga Arte.)

Basicamente a versão de Gardner contribuiu muito para a moderna Feitiçaria: rituais orientados para a fertilidade a fim de reverenciar o Deus Cornífero das Florestas e a Tríplice Deusa com cânticos, danças e meditação, celebrados nos oito Sabás e nas luas cheia e nova.

O ritual de trazer para baixo a Lua, recitar a Exortação da Deusa, invocar o Deus e a Deusa Corníferos, realizar cerimônias de cura e outras obras de magia positiva são centrais para a tradição gardneriana.

As Assembleias são lideradas por um sumo sacerdote e uma suprema sacerdotisa, que treinam e iniciam outros no método gardneriano, confiando seus Livros das Sombras aos iniciados para que os estudem a fim de aprender as leis e liturgias da Arte.

Nem todas as Bruxas gardnerianas seguem rigorosamente as prescrições de Gardner. Um princípio fundamental de Gardner que tem sido descartado pela maioria das Bruxas modernas é a tradição de praticar “vestido de céu” ou em total nudez.

Não existem provas históricas suficientemente amplas dessa prática antes de Gardner, que era um naturista mesmo antes de descobrir a Arte. De fato, as mais antigas tradições parecem indicar que as Bruxas preferiam longas túnicas negras, especialmente na Era das Fogueiras, quando eram menos visíveis nas florestas, onde iam à noite realizar seus rituais.

Por certo, a preferência entre a maioria das Bruxas de hoje, tanto, nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha, é para usar túnicas, uma prática que sempre foi parte importante do ritual mágico e contribui tanto para o poder da Bruxa quanto “vestir-se de céu”.

Outras tradições que contribuíram para a imagem moderna da Bruxa são as práticas diânicas que provêm primordialmente das obras de Margaret Murray e do muito influente The Golden Bough (O Ramo de Ouro), de Sir James Frazier.

Nas Assembleias diânicas, é atribuída grande ênfase à Deusa e ao papel das sacerdotisas. Os grupos e organizações são matrilocais e gravitam em torno de questões das mulheres.

O corrente movimento das mulheres inspirou muito do ativismo político em que alguns grupos estão empenhados.

Estudos recentes da espiritualidade feminina influenciaram também as práticas e tradições adotadas pelos grupos, assim como a própria tradição diânica contribuiu com importante material para as questões espirituais femininas entre os membros da corrente principal de pensamento teológico.

A fecundação cruzada tem sido muito excitante tanto para as Bruxas quanto para os estudiosos da religião.

Muitos grupos diânicos são extremamente criativos no desenvolvimento de novos rituais e na passagem da Arte do ”quartinho das vassouras” para as ruas. Alguns desses grupos patrocinam rituais públicos nos Sabás e nas ocasiões em que a presença das Bruxas pode manifestar-se a favor de questões sociais e políticas.

Embora o feminismo radical, incluindo o lesbianismo, tenha encontrado guarita em grupos diânicos, nem todos os grupos se concentram exclusivamente em questões femininas.

A grande crise ambiental e social com que a nossa sociedade se defronta inspira as Bruxas a usarem seu poder e magia para operar mudanças no seio da sociedade.

Uma das mais recentes obras sobre Bruxas e outras comunidades neo-pagãs nos Estados Unidos é o excelente livro de Margot Adler, Drawing Down the Moon.

Depois de entrevistar Bruxas individualmente e em suas Assembleias em todo o país e participar com elas em rituais e celebrações, Margot Adler compilou suas averiguações num relato claro e bem escrito.

Seu livro é um excelente estudo das crenças, costumes e estilos de vida de grupos neo-pagãos. A maravilhosa variedade que ela apresenta atesta o vigor das comunidades pagas, assim como a dedicação de cada Bruxa.

Em tempos modernos, esses quadros mais acurados da Feitiçaria estão chegando lentamente ao grande público, mas uma vasta campanha de reeducação precisa ser ainda empreendida, se quisermos corrigir a imagem deturpada da Bruxa como um ser maléfico mancomunado com o diabo.

A cultura contemporânea continua reforçando as velhas imagens que vêm desde a Era das Fogueiras.

Não é difícil, realmente, distinguir a Feitiçaria do satanismo.

  • As Bruxas usam o pentáculo com a ponta para cima. Os satanistas invertem-no com a ponta para baixo, tal como invertem o crucifixo.
  • As Bruxas nunca usam um crucifixo para qualquer fim, seja na posição correta ou invertido.
  • Nunca usamos o número 666.
  • Não sacrificamos animais para qualquer fim.
  • Jamais fazemos às avessas nada que esteja ligado a fé cristã.
  • Especificamente, não dizemos o Padre-Nosso de trás para diante.
  • Não celebramos Missas Negras ou qualquer outra cor de missa.
  • Não usamos artefatos cristãos e, portanto, não precisamos arrombar igrejas cristãs para roubá-los.
  • As Bruxas não usam crianças em seus rituais. Quando os nossos próprios filhos participam em cerimônias da Arte, fazem-no nos mesmos termos dos adultos.
  • Não causamos dano físico a quem quer que seja, nem projetamos danos em outros.
  • Além disso, não recrutamos ou fazemos proselitismo.